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Em 1946, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu ‘saúde’ não apenas como a ausência de doença ou enfermidade, mas como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”. E, quando a OMS fala de saúde mental, entende-se como um “bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade”.
De acordo com dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAs), cerca de 30% da população das Américas teve ou terá algum transtorno mental. Seja por nossa maneira de viver ou pela estrutura da vida contemporânea, o estresse crônico, a ansiedade, o burnout e a depressão passaram a ser frequentes, levando a uma consciência cada vez maior quanto à gravidade destas condições e da importância do tema.
Os transtornos mentais são alterações da nossa atividade cerebral que podem afetar o nosso humor, o comportamento, o raciocínio, a forma de aprendizagem, o convívio social e, até mesmo, a maneira como nos comunicamos. Existe um amplo universo desses transtornos que estão catalogados no DSM-5* – dentre eles, o Transtorno de Acumulação (TA).
Para a Associação Americana de Psiquiatria, “o transtorno de acumulação é caracterizado pela dificuldade persistente de descartar ou se desfazer de bens, independentemente do valor real deles”. Como resultado, há uma acumulação de itens que comprometem os ambientes – seja a residência ou o local de trabalho – e afetam a vida da pessoa e de todos que estão à sua volta. De acordo com Phillips e Stein (2021), acredita-se que 2% a 3% da população apresentam este transtorno, sendo que os sintomas costumam aparecer durante a adolescência, podendo piorar gradativamente à medida que a pessoa envelhece.
Diferentemente de colecionadores – que prezam pelos itens colecionados – nestes casos há um acúmulo de itens descoordenados e de forma desorganizada, mesmo que esteja aparentemente arrumado. O apego aos objetos é a característica principal; qualquer menção ou possibilidade de se desfazer de alguma coisa gera angústia e sofrimento.
É importante destacar que, diferentemente do senso comum, nem todos os casos de Desorganização Crônica são de pessoas com Transtorno de Acumulação, ou mesmo envolvem uma situação de acúmulo. A Desorganização Crônica é uma condição, não uma doença, caracterizada por uma desordem persistente – mesmo após várias tentativas da pessoa se organizar sozinha – e que afeta de forma negativa a qualidade de vida, podendo ou não vir acompanhada de acumulação.
O diagnóstico do Transtorno de Acumulação somente pode ser feito por psicólogo ou psiquiatra. Porém, é importante que nós, profissionais da organização, estejamos atentos aos sinais que podem indicar que nosso potencial cliente está sofrendo com este transtorno. São alguns exemplos (PHILLIPS; STEIN, 2021):
- Necessidade de guardar objetos porque sente que precisa, sem motivo aparente;
- Dificuldade de se desfazer de itens desnecessários e sem valor (financeiro ou sentimental);
- Móveis e espaços sobrecarregados, incluindo áreas de convívio, que interferem no uso ou na busca de objetos;
- Angústia e sofrimento com a possibilidade (ou mesmo o pensamento) de ter que se desfazer de qualquer item;
- Diminuição da capacidade funcional/social (dificuldades para realizar atividades de rotina, da casa, do trabalho ou socializar com amigos e família).
Além disso, o personal organizer é um profissional que – mesmo não sendo da área de saúde – pode estar envolvido no processo de recuperação de uma pessoa com o Transtorno de Acumulação. Afinal, uma equipe multidisciplinar pode efetuar o atendimento mais assertivo às demandas da pessoa que está sofrendo com esse transtorno, assim como aquelas que também são afetadas pela situação. Atender este tipo de caso sem o acompanhamento dos profissionais de saúde não é indicado, podendo ser prejudicial mesmo quando a pessoa concorda em realizá-lo.
Embora seja mais comum que um familiar entre em contato com o profissional de organização, é necessário estar em alinhamento com toda a equipe de atendimento, uma vez que, nestes casos, o trabalho se dá de uma forma diferente do usual. Também é fundamental ter o consentimento da pessoa: tanto para realizar o serviço, como em cada momento do processo, principalmente na fase de seleção (descarte). O ideal é que todo o processo seja acompanhado e realizado junto com a pessoa afetada pelo Transtorno de Acumulação, no ritmo dela. É importante respeitar o tempo e o processo do cliente, atuar com paciência, empatia e sem julgamentos, para que o resultado seja efetivo e duradouro.
Se você conhece alguma pessoa próxima nessa situação, a melhor maneira de ajudar é procurar um profissional de saúde para um diagnóstico eficiente. Realizar um processo de descarte “escondido” ou ou tentar “organizar à força” pode atrapalhar ou, até mesmo, piorar a situação.
Por Adriana Schatz¹ e Gisele Luz²
(1 Administradora e Mentora de Organização/2 Personal Organizer)
*Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria.
REFERÊNCIAS:
PHILLIPS, Katharine Anne; STEIN, Dan J. Transtorno de acumulação compulsiva, 2021. Disponível em <https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/transtorno-obsessivo-compulsivo-e-dist%C3%BArbios-relacionados/transtorno-de-acumula%C3%A7%C3%A3o-compulsiva>. Acesso em 18 de junho de 2023.
GOVERNO FEDERAL. O que significa ter saúde, 2020. Disponível em <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-brasil/eu-quero-me-exercitar/noticias/2021/o-que-significa-ter-saude#:~:text=Seguindo%20essa%20linha%20mais%20abrangente,com%20a%20defini%C3%A7%C3%A3o%20de%20sa%C3%BAde.>. Acesso em 18 de junho de 2023.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. “Saúde mental no trabalho” é tema do Dia Mundial da Saúde Mental 2017, comemorado em 10 de outubro, 2017. Disponível em <https://bvsms.saude.gov.br/saude-mental-no-trabalho-e-tema-do-dia-mundial-da-saude-mental-2017-comemorado-em-10-de-outubro/>. Acesso em 18 de junho de 2023.